A Comissão de Valores Mobiliários publicou o Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE na data de 17 de novembro de 2025 buscando esclarecer o entendimento e firmar a orientação na interpretação dos dispositivos constantes dos anexos normativos II, III e VI da RCVM 175/22. O ofício avança sobre temas que vinham gerando fricção técnica entre administradores, gestores e participantes de mercado, especialmente no que toca à harmonização entre governança, enquadramento e operacionalização dos FIDC, FIAGRO e FII. Trata-se de orientação que fortalece a coerência regulatória, aprimora a previsibilidade e consolida um ambiente jurídico mais seguro para a estruturação de veículos complexos.
A equiparação entre FIAGRO e FIDC depende de política vinculante de alocação
A Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) esclarece que não existe equivalência automática entre cotas de FIAGRO e direitos creditórios. A mera faculdade de o FIAGRO alocar mais de cinquenta por cento do patrimônio em recebíveis não basta. Para que a equiparação seja admitida, é indispensável que o regulamento imponha, de forma mandatória, a manutenção desse percentual mínimo. Somente quando houver amarração normativa explícita será possível tratar tais cotas como direitos creditórios para fins de enquadramento nos termos do Anexo II. Ausente essa premissa e exigência, qualquer tentativa de equivalência carece de base jurídica.
A proporcionalidade orienta a verificação do lastro no art. 36 do Anexo II
O Ofício supera leituras maximalistas e confirma que a verificação do lastro deve ser apreciada à luz da natureza e do risco do ativo. A diligência aplicável a recebíveis pulverizados não se confunde com aquela exigida para precatórios, créditos vencidos ou instrumentos complexos. A CVM também afasta a aplicação do dispositivo a valores mobiliários ofertados publicamente, como debêntures e notas comerciais, reafirmando que a verificação deve ser tecnicamente razoável e operacionalmente viável, preservando a lógica de proporcionalidade que permeia a RCVM 175.
Permanece válida a possibilidade de o cedente receber fluxos na classe profissional
A orientação reafirma que FIDC destinados exclusivamente a investidores profissionais podem admitir que o cedente receba, em conta bancária de livre movimentação, os fluxos decorrentes da cobrança, desde que ele próprio atue como agente de cobrança. A prerrogativa não se estende a consultorias ou terceiros, que estão impedidos de receber valores em contas próprias. O entendimento reafirma a leitura integrada do art. 41 com o art. 52, III, mantendo assim a coerência entre governança, risco e segregação de funções.
A execução de garantias pode gerar desenquadramento sem responsabilidade infracional do gestor desde que cumpridas os deveres que lhe são impostos
A CVM reconhece que a execução judicial ou extrajudicial de garantias pode conduzir o fundo à posse de ativos não elegíveis, como imóveis, caracterizando desenquadramento passivo. Cabe ao gestor, no exercício de sua diligência fiduciária, estruturar o plano de alienação e reenquadramento orientado pela maximização do interesse da classe. O Ofício harmoniza a lógica da RCVM 175 com a realidade operacional da execução de garantias, afastando qualquer presunção de infração automática.
O FII pode acessar recebíveis imobiliários por meio de estruturação indireta
A orientação reafirma que o FII não pode adquirir recebíveis imobiliários diretamente. Contudo, admite-se a exposição indireta via CRI ou via cotas de FIDC com política exclusivamente imobiliária. A CVM delimita as fronteiras dessa exposição indireta e reforça o papel estruturante do FIDC no financiamento imobiliário, mantendo a aderência a Lei 8.668/1993 e ao regime jurídico próprio do segmento.
A vedação do art. 42 não impede investimentos cruzados entre FIDC da mesma instituição
A SSE soluciona tema de elevada repercussão prática ao afirmar que a proibição de adquirir direitos originados ou cedidos por partes relacionadas não alcança a aquisição de cotas de FIDC administrados ou geridos pela mesma instituição. Ainda que equiparadas a direitos creditórios para fins de enquadramento, as cotas não se sujeitam aos requisitos de registro do art. 37. A conclusão preserva a funcionalidade dos fundos estruturados e a racionalidade sistêmica da norma.
FIAGRO submetido ao Anexo II não pode usufruir da dispensa de registradora e custódia
Sempre que o FIAGRO adotar o Anexo II por ter estrutura apta a investir mais de cinquenta por cento do patrimônio em direitos creditórios, ele passa a estar integralmente sujeito às regras de governança próprias dos FIDC. Por consequência, não pode utilizar a dispensa de registradora e de custódia prevista no Anexo VI. A dispensa é reservada exclusivamente às estruturas cuja dinâmica não se assemelhe à de crédito.
Participações societárias exigem influência real e governança verificável
A CVM reforça que qualquer participação societária do FIAGRO, seja ele enquadrado no Anexo II ou IV, deve atender à exigência do art. 26 do Anexo IV, revelando influência efetiva sobre a estratégia da investida. Não se trata de mera formalidade documental, mas de requisito substancial de governança, cuja violação compromete o enquadramento.
A renúncia do administrador exige continuidade até a averbação da substituição
Nos FIAGRO que detenham imóveis rurais sob propriedade fiduciária, o administrador que renunciar deve permanecer no exercício de suas funções até que a averbação da substituição seja concluída. A CVM qualifica a conduta em sentido contrário como infração grave, dada a centralidade da titularidade fiduciária e os riscos jurídicos associados à transição.
A publicação do Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE é um marco para o mercado. Ao reduzir ambiguidades, uniformizar interpretações e reforçar pilares de governança, a CVM fortalece a segurança jurídica e a consistência técnica dos fundos estruturados no Brasil. Trata-se de leitura indispensável para profissionais que atuam nos setores de securitização, agronegócio, imobiliário e operações estruturadas e reafirma a importância do alinhamento contínuo entre prática de mercado e hermenêutica regulatória esclarecendo e indicando a melhor forma da interpretação conjunta para a aplicação prática e concomitante destas estruturas.